O Facebook é um condomínio fechado que funciona com princípios contrários àqueles que criaram a riqueza da vida pública na internet
Sou muito antigo. Quando usei a internet pela primeira vez, Tim Berners-Lee ainda não havia inventado o www. Portanto, Mark Zuckerberg nem sonhava com o Facebook. Durante este tempo de vida on-line, mantive afiada a curiosidade com relação às novas ferramentas que continuam a mudar nossas formas de comunicação com o mundo. Posso declarar: crianças, acompanhei em tempo real — parecia final de Copa do Mundo — a campanha que fez o Brasil virar campeão de perfis no Orkut. Depois, fiquei alegre ao perceber cada vez mais gente de favelas na rede social do Google, algo que revelava uma “inclusão digital” conquistada na marra. Então, não gostei nada quando os ricos abandonaram o Orkut para se afastar dos pobres, tentando manter a qualquer custo, na realidade virtual, a desigualdade real/brutal da sociedade brasileira.
Continuo achando o Facebook um território antipático. Não apenas pela maneira preconceituosa com que foi adotado no Brasil. Mais importante é outro argumento político já repetido inúmeras vezes nesta coluna: o Facebook (recuso-me a chamá-lo de “face”, como se fosse amigo íntimo) é um condomínio fechado que funciona com princípios contrários àqueles que criaram a riqueza da vida pública da cidade chamada internet. Muita gente nem se aventura mais para fora dos muros dessa rede social privada: pensa que aquilo ali é toda a grande Rede, esquecendo que vive em ambiente controlado por uma única empresa, trabalhando de graça para seu sucesso comercial. Por isso, fico assustado quando constato que as manifestações que tomaram conta das ruas brasileiras lutando por uma vida pública (tudo começou com a batalha pela melhoria do transporte público) mais democrática sejam “agendadas” dentro de condomínio controlado por uma das corporações de mídia mais poderosas do planeta (e que bloqueia nossos perfis se publicamos fotos de mulher com os peitos de fora).
As manifestações sempre começavam em eventos do Facebook. Acesso às informações sobre esses eventos só com perfil no Facebook, aceitando os termos de uso da empresa dona da rede social. Alguém já leu com cuidado esses Termos de Uso? Alguém chama aquilo de legislação democrática? Novamente: sou antigo, de um tempo em que muita gente via na internet uma trincheira na luta pela liberdade e acreditava em algo que pessoas mais novas não devem ter ouvido falar: software livre, código aberto. Onde isso tudo foi parar? E por que a defesa do Marco Civil da Internet, escrito em processo aberto, não se tornou também uma grande bandeira nas nossas manifestações de rua?
Estranha coincidência: enquanto os protestos brasileiros aconteciam, o FBI acusou Edward Snowden de espionagem, por ter vazado dados que provam que as grandes corporações da internet colaboram com o governo americano abrindo seus bancos de nossos dados que imaginamos privados. Era sobre isso que eu estava escrevendo nesta coluna antes das manifestações. Não vou assustar ninguém com essa politicagem global. Bastam questões mais práticas. Por exemplo: este é o último fim de semana do Google Reader. Esse serviço vai terminar porque o Google assim decidiu, sem consulta aos usuários. É uma empresa, pode fazer o que quiser com seus produtos. Imaginem se o Facebook decidir que quer “descontinuar” sua rede social. Onde vai parar a memória deste momento central da História brasileira?
Mesmo que o Facebook não acabe nunca: daqui a uma década, tente encontrar um evento da semana passada. Estará perdido em alguma timeline talvez desativada. Como a rede social não tem uma boa ferramenta de busca e criação de links, como os robôs de buscas externas não podem ultrapassar os limites de seus muros, é quase impossível encontrar alguma coisa por ali a não ser o passado mais imediato. Mas como dizem muitos, somos país sem memória. Que falta isso fará? Seremos muito felizes desmemoriados ou talvez vamos precisar da ajuda do FBI, que deve manter todos nossos “eventos” arquivados em alguma pasta secreta, para lembrar dos nossos anos ciber-rebeldes.
Miriam Leitão, no domingo passado, fez perguntas que devem estar tirando o sono de muitas outras pessoas: “E as pesquisas de opinião? O que é mesmo que perguntaram para captar tanta popularidade do governo? Como isso se encaixa com o que vimos agora?” Lendo as pesquisas publicadas pelo Ibope/“Época” esta semana (entre os 75% que apoiam os protestos 69% se dizem satisfeitos com suas vidas atuais) mais um mito caiu por terra: quem disse que para protestar precisamos estar insatisfeitos? Hoje todo mundo quer planos, inclusive políticos, cada vez mais ilimitados. Como sempre digo: abundância exige mais abundância.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/territorio-antipatico-8836591#ixzz2XW3r5iaa
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