A palavra graça, substantivo feminino, significa favor que se dispensa ou recebe; mercê, dádiva.
No sentido teológico, graça seria o dom que Deus concede aos homens e que os torna capazes de alcançar a salvação.
O vocábulo graça provém do latim gratia, que deriva de gratus (grato, agradecido) e que em sua primeira acepção designa a qualidade ou conjunto de qualidades que fazem agradável a pessoa que as têm.
Graça é um conceito teológico fortemente enraizado no Judaísmo e no Cristianismo, definido como um dom gratuito e sobrenatural dado por Deus para conceder à humanidade todos os bens necessários à sua existência e à sua salvação.
“Ter a graça não significa que você não deve mais cumprir a lei ou que a lei foi abolida, pelo contrário, você deve cumpri-la por que você já é salvo, ou seja, somos salvos pela graça e em consequência vem a obediência” Mateus 5:17, Romanos 7:4
Passada as preliminares sobre o entendimento do título do nosso artigo, este não tem haver com a graça concedida pelo Messias na acepção teológica e sim os elementos jurídico-políticos a graça constitucional dada por outro Messias, trata-se de Jair Messias Bolsonaro concedeu ao seu aliado político Daniel Silveira por meio do decreto de 21 de abril de 2022.
Segundo informações da mídia, o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) foi processado pelo STF pelos crimes de tentativa de impedir o livre exercício dos poderes e coação em processo judicial. Ele foi condenado a oito anos e nove meses de reclusão, inicialmente, em regime fechado, à perda do mandato de deputado federal à suspensão dos seus direitos políticos. Ao todo, 10 dos 11 ministros votaram pela condenação do parlamentar.
Em primeiro lugar, a Constituição Federal de 1988 estabelece, dentre as competências privativas do presidente da República previstas no artigo 84, "XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei".
Segundo o doutrinador Eugênio Pacelli, embora o texto constitucional não utilize o termo "graça", esta nada mais é do que um indulto individual. (Manual de Direito Penal – Parte Geral, p. 548).
A expressão está presente no Código de Processo Penal (artigo 734) "a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente".
A graça constitucional é perdão individual, pessoal, e que o chefe de Estado concede a alguém condenado ou que já está cumprindo pena. Segundo o Código de Processo Penal, o presidente usou o artigo 734 do Código de Processo Penal, que estabelece que "a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente".
Vale ressaltar que é a primeira vez que o indulto individual é concedido na vigência da nossa constituição de 88 e é primeira vez que vai contra uma decisão do STF. O último caso foi no ano de 1945, para beneficiar os “pracinhas”, militares brasileiros que lutaram na Segunda Guerra Mundial.
Ao analisar o decreto concedido pelo Messias nota-se que o ele não teria validade já que a graça se dá aos condenados com trânsito em julgado. Segundo o constitucionalista Acácio Miranda a punibilidade só começa depois de o processo ser julgado.
O doutor em Direito Penal Fernando Neisser afirma que o presidente tem o poder de conceder a graça constitucional, mas o decreto é ilegal porque é uma medida que extingue a punibilidade, que é a necessidade concedido para quem estaria em cumprimento de uma pena.
“O decreto já não tem validade jurídica porque concede algo que não tem efeito. Não existe pretensão punitiva contra o Daniel Silveira porque a decisão do Supremo não está executável por causa dos embargos de declaração”.
Ao fundamentar o decreto, o Messias afirmou que a prerrogativa presidencial para concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirada em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável.
Em artigo recente de Eloísa Machado “A graça de Bolsonaro, pela site Piauí, ela questiona: Pode o presidente beneficiar um amigo?
Segundo Machado, a Constituição veda de forma clara atos que firam a impessoalidade da gestão pública, ou seja, que coloquem interesses pessoais à frente dos interesses republicanos. Não há nenhuma justificativa razoável para afastar a incidência desse princípio ao se avaliar a concessão de graça ou indulto. Afinal, os poderes presidenciais não estão a serviço de Jair Bolsonaro, de sua família ou de seus amigos.
Todavia, segundo Leonardo Bruno Pereira de Moraes não se acredita que esses argumentos estejam acertados. Isso porque, o indulto individual ou graça constitucional tem como objetivo nato ser direcionado a uma única pessoa, o que não acontece com o indulto coletivo. Desta forma, se o próprio instituto tem como finalidade conceder uma graça individual, não há como sustentar a violação ao princípio da impessoalidade, por ser algo intrínseco à natureza do instituto jurídico.
Para Cristiano Vilela, “Embora tenha essa prerrogativa, não é constitucional a concessão dessa medida a quem ainda não possui condenação efetiva . A concessão dessa medida viola a separação de poderes e as prerrogativas constitucionais do Judiciário. Sem contar no evidente interesse político do Presidente na concessão da graça a um aliado político”.
É nessa narrativa que o Messias justifica suas considerações e que estaria defendendo a liberdade de expressão, pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações deixa claro que quer reformar a condenação do seu aliado político. Entretanto, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, afirmou que "liberdade de expressão não é liberdade de agressão".
Para Leonardo Bruno Pereira de Moraes resta a dúvida se o Supremo Tribunal Federal poderia anular o decreto de 21 de abril de 2022 por vícios formais na sua edição. O questionamento é relevante, pois a doutrina, exemplificada pelos professores Gustavo Octaviano e Patrícia Vanzolini ("Manual de Direito Penal", p. 349) e Guilherme de Souza Nucci ("Manual de Direito Penal", p. 496), afirma, de forma majoritária, pela exigência de uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado para a concessão da graça constitucional.
Para o professor João Cezar de Castro Rocha, especialista no tema da guerra cultural o Messias tenta criar a imagem do libertador da nação contra a ditadura do Supremo Tribunal Federal e a sua graça foi mais um movimento tático de encontro de sua estratégia que é a de gerar crises institucionais para desviar o foco do fracasso de seu governo, tema que abordaremos em outra oportunidade.
No caso em tela, o Messias, ao invés de se colar como o Salvador da Pátria em sua narrativa retórica, afirmando estar jogando nas quatro linhas da constituição, deveria cumprir os princípios elencados nos artigos 5º, LXXIII, 37, 85, V, da Constituição Federal respeitando os padrões éticos, de boa-fé, decoro, lealdade, honestidade e probidade na prática diária de boa administração.
Alan Roberto Ferreira
Sociólogo, estudante de Direito.